Tuesday, December 20, 2011

Olhos nos olhos

Ele me encara. Acho que não gosta de mim.
Repara meus cabelos desarrumados, minha barba por fazer.
Nota meus óculos tortos e descascados.
Seu olhar ressalta minha deselegância.


Eu o encaro de volta. Ele se retrai.
Tenta esconder a barriga, acentuar os bíceps.
Procura parecer jovem e bonito. Patético.


Ele se aproxima. De nariz empinado, observa minhas rugas.
Desaprova minha pele ressecada. Percebe um princípio de calvície.
Seu olhar severo torna meus cabelos ainda mais brancos.
Definitivamente, ele não gosta de mim.


Eu o olho bem nos seus olhos. São castanho esverdeados como os meus.
(“Seus olhos não têm nada de verde” – ele pensa).
Eu continuo olhando e ele se vira de costas.
Há uma longa cicatriz subindo pela base da sua coluna.
Ele sabe que eu reparo nisso e então se vira de frente.


Sua postura também é desalinhada. Com certeza tem escoliose.
Nós nos afastamos e vejo que ele manca um pouco ao caminhar.
Com certeza, você não é o "Sr. Perfeito" hein?


Ficamos assim um longo tempo, simplesmente nos olhando sem nada a dizer. Apenas eu e o meu reflexo no espelho.

Friday, July 29, 2011

Entrei na Turma da Mônica.



Uma das coisas mais gostosas de escrever é que, quando é você quem segura o lápis (ou escolhe as teclas, se assim preferir), pode deixar a sua imaginação correr solta e inventar as histórias que quiser. Você escolhe as personagens, os cenários, os conflitos e termina (ou não) do jeito que planejar.

Imagine então poder fazer tudo isso com personagens que você adora, que cresceu se divertindo com as suas histórias e agora compartilha essa mesma diversão com seus filhos (ou filhas, no meu caso). E não é que, graças a Deus, eu tive essa oportunidade?

De repente, caiu no meu colo a chance de participar da criação de uma série de animações da Petrobras em comemoração aos 500 filmes nacionais patrocinados pela empresa, produzidos por ninguém menos do que o aclamado Mauricio de Sousa. Foi algo inesperado e muito, muito bem-vindo. Afinal não é todo dia, nem todo mundo, que tem uma oportunidade assim.

O “convite” veio do amigo Arthur Junior, que trabalha na Gerência de Publicidade e Promoções da Petrobras e que já vinha desenvolvendo esse projeto. A ideia era destacar a importância da empresa para a retomada do cinema nacional, mostrando alguns dos grandes sucessos que ela ajudou a viabilizar com o seu patrocínio. Os vídeos seriam lançados no Anima Mundi, em São Paulo (por isso a opção por animações) e depois divulgados na internet.

Em princípio, as animações seriam totalmente originais, ou seja, não utilizariam a Turma da Mônica. Mas por que não? Se tínhamos o talento de Mauricio de Sousa e da sua equipe ao nosso lado, por que não aproveitar a sua criação mais ilustre? Desde pequeno costumo ler suas historinhas. Os armários lá de casa estão repletos de suas revistinhas e DVDs e, como se isso fosse pouco, até mesmo as brincadeiras com as nossas filhas envolvem imitações dos personagens dessa turminha. (Minha esposa faz a Mônica, o Cascão, o Cebolinha e a Magali. E eu faço o Chico Bento, o Louco e... bem, acho que só sei fazer esses mesmo).

Com toda essa “experiência”, eu sabia bem que as paródias de filmes famosos já eram uma tradição da Turma da Mônica. Então, conversando com o Arthur, concordamos que seria esse o caminho criativo do projeto. Começamos a trocar ideias sobre possíveis crossovers com filmes patrocinados pela Petrobras. A primeira ideia que me veio à mente foi aquela cena do Capitão Nascimento em “Tropa de Elite”, explicando aos aspirantes o conceito de estratégia em vários idiomas. Imaginei o Cebolinha fazendo o mesmo com os meninos da turma – a sua “Tlopa de Elite” - ao explicar uma nova estratégia pra derrotar a Mônica.

No embalo desse brainstorm, outras ideias começaram a pipocar (tudo a ver com cinema, né?). Lembrei daquela cena da galinha correndo na favela em “Cidade de Deus” e imaginamos o Chico Bento correndo atrás da Giselda. Pensei também no filme Saneamento Básico: todos reclamando do mau cheiro da fossa e, na verdade, o “culpado” seria o Cascão.E o Arthur teve a ideia genial de fazer o Cebolinha e a Mônica trocarem de corpo, como no filme “Se eu fosse você”.

Daí em diante passamos a bola para os Estúdios Mauricio de Sousa. A partir do nosso conceito criativo e dos argumentos que sugerimos, eles criaram os roteiros técnicos e produziram os cinco filmetes com a supervisão do próprio Mauricio. E esse pessoal merece todos os aplausos, pois não apenas compreenderam perfeitamente a nossa ideia, como a enriqueceram com cenas e diálogos interessantíssimos. O encontro de Chico Bento e Zé Pequeno, particularmente, eu considero brilhante. Uma solução criativa, inteligente, sutil e muito engraçada para tornar possível o encontro de duas personalidades tão distintas.

Aliás, fiquei muito feliz – e até mesmo surpreendido – pela ousadia de Maurício de Sousa ao permitir que as suas criações contracenassem com personagens como o próprio Zé Pequeno e o Capitão Nascimento. “Os encontros são inusitados, mas com uma boa história tudo é possível", como disse o próprio Maurício.

Acho que esse é o espírito dos grandes criadores. Deve-se ter bom senso, mas não medo da polêmica. Afinal, quem quer agradar a todo mundo acaba não agradando a ninguém. Assim, agora que os vídeos foram lançados, era natural que essa proposta criativa encontrasse os seus críticos. Por outro lado, a repercussão positiva tem sido incomparavelmente maior. Em menos de uma semana na internet, os cinco vídeos já tiveram mais de 228 mil exibições (e isso considerando somente o número de views do Canal da Petrobras no Youtube), colhendo elogios atrás de elogios.

O projeto ganhou destaque no Portal Globo.com e em sites como o Uol, O Globo, Folha, Uai, Clube Online (do Clube de Criação Publicitária de São Paulo), Omelete, Brainstorm #9, Update or Die, entre outros, além de vários blogs que divulgaram os vídeos multiplicando a sua divulgação.

Tamanha receptividade tem sido muito gratificante. Essas animações constituem um material de primeira qualidade que pude participar da sua concepção e que, sem dúvida, vai valorizar ainda mais o meu portfolio. Mas o maior reconhecimento, sinceramente, eu já colhi. Não há nada melhor do que assistir a um desses vídeos com as minhas filhas sorrindo no meu colo e poder dizer: “Sabe essa historinha? Foi ideia do Papai”.


Clique aqui para ver os vídeos.

Saturday, April 16, 2011

O bilhete


Qual é a coisa mais valiosa que alguém pode ter? Há algum tempo eu descobri essa resposta, mas sempre acabava deixando pra escrever sobre isso depois. Várias vezes já me peguei ensaiando mentalmente uma conversa sobre o assunto aqui com o Jeremias, mas por alguma razão que não sei explicar, eu sentia que ainda não era o momento de falar disso. Até que recebi este bilhete aí da minha filha mais nova.


Minha baixinha tem 6 anos, ela é sapeca, engraçada, carinhosa e, pra minha alegria, ela é super agarrada comigo. Ontem caiu o seu dentinho da frente e ela ficou toda serelepe, sorrindo banguelinha de frente para o espelho. Que comédia! Só criança mesmo pra gostar de se ver com uma baita janela no sorriso.

Pois, hoje, a janelinha virou varanda gourmet. Caiu um segundo dentinho e ela ficou mais alegre ainda. Não parava de se admirar e de mostrar o sorrisão pra mamãe, pra irmãzinha e pros avós. Somente eu não pude ver. Mais uma vez, tive que tirar o sábado para dar conta do trabalho acumulado ao longo da semana.

Com minha esposa de plantão no hospital, minhas filhas vão dormir na casa dos meus sogros (ou dos meus pais) e, com isso, tenho a paz necessária para trabalhar. Mas tão logo a casa fica vazia, sinto que não é exatamente paz o que me sobra. E percebo que quem se esvazia na realidade sou eu.

Nesses momentos, tento me convencer de que o sacrifício vale a pena. Sei que é uma necessidade trabalhar no fim de semana. Mas até que ponto? Até que preço? Vejo famílias se esfacelando porque não investem tempo de qualidade em si mesmas. Com o ritmo de trabalho que a gente vive, quanto tempo sobra pra gente viver? Digo, realmente viver?

Outro dia mesmo, meu pai me disse pra curtir os filhos enquanto é tempo, porque depois que eles crescem, a vida vira uma correria. Aí acabou... mal dá tempo da gente se encontrar. Imagino quanto lhe doeu dizer isso. Ouvir também não foi fácil. Quando somos crianças, queremos a companhia dos pais, mas eles estão frequentemente ocupados. Quando eles se aposentam e aí têm mais tempo, então somos nós que entramos na ciranda e mal conseguimos parar. Irônico, não? Deve ser por isso que avós e netos se entendem tão bem. Sem a pressa e a pressão do dia a dia, eles podem aproveitar melhor o seu tempo juntos.

Uma semana antes da minha filha me entregar esse bilhete, lembro-me dela me procurar insistentemente: "papai, brinca comigo?". E eu sempre respondia que tinha que trabalhar. Provas pra corrigir, provas pra elaborar, coisas a resolver. "Então depois que você terminar você brinca?" Mas depois de uma tarefa vinha outra, outra e mais outra. De repente, a semana passada já havia se emendado com a próxima.

Quando recebi o bilhete, não pude deixar de pensar o quanto estou em débito com minhas filhas. E o quanto elas são maravilhosas e pacientes, porque apesar disso elas ainda me dão todo crédito. Chego em casa e ganho um abraço forte que literalmente me derruba. Recebo declarações de amor e ainda escuto que sou "o melhor papai do mundo". Isso não tem preço! Mas como todo crédito, esse também tem um limite e foi justamente disso que o bilhete me lembrou. Tempo é o que nós temos de mais precioso. E não é simplesmente para gastar, mas sim para investir. Investir nas coisas que gostamos e, sobretudo, nas pessoas que amamos.

Por que a minha filha de repente me trouxe um bilhete pedindo que eu confirmasse que gosto dela? Não é óbvio? Será que é mesmo? Pra baixinha, isso pode ter sido só uma brincadeira, mas para mim foi muito mais. Esse pedacinho de papel é um contrato que eu quero assinar todos os dias. E não só com a Mariana, mas também com minha outra filha, com a minha esposa, meus pais e meu irmão.

O sábado foi embora, mas o domingo está só começando. E não importa quanta coisa eu ainda tenha pra fazer, isso vai ter que esperar. Afinal, o relógio não anda para trás. Dentes de leite não nascem duas vezes. Por isso, hoje o trabalho é que vai dar um tempo pra mim.

Tuesday, March 22, 2011

Fim de papo.

A história que eu vou contar agora não tem final feliz. É sobre um relacionamento que encerrei de forma destemperada, depois de apenas alguns meses. Inicialmente, claro, como a maioria dos relacionamentos, a expectativa era grande. Estávamos em um shopping quando nos conhecemos e, logo de imediato, sua beleza e elegância me atraíram. Numa breve conversa, descobri que, além de fino e cheio de estilo, ele era super antenado. Navegava pela internet, frequentava minhas redes sociais, tocava minhas músicas preferidas. Impossível não chamar minha atenção. Parecíamos feitos um para o outro! E quando o toquei pela primeira vez, não tive dúvidas. Fomos direto para minha casa.

A forma como ele reagia aos meus toques, aliás, era impressionante: deixava-se levar por meus dedos sem qualquer resistência. Toda noite íamos para a cama brincar antes de dormir. Acordava com ele e passávamos o dia juntos, sempre nos falando ao pé do ouvido. Mas na medida em que o conheci melhor, uma coisa passou a me incomodar: ele não vibrava comigo. Nunca. Quando eu mais esperava uma reação assim de sua parte, ele apenas ficava silencioso, como se estivesse morto.

Pensei que pudesse conviver com isso, mas não. Expus o problema e me afastei dele durante algumas semanas, esperando a sua reparação e na esperança de que o reencontro fortalecesse a nossa ligação. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. Se por um lado ele voltara mais vibrante, por outro ignorava minhas intenções e me deixava falando sozinho. Recusava meu toque e, sem que eu percebesse, invadia minha agenda telefônica e ligava para meus amigos e parentes, que atendiam completamente atônitos.

Eu vinha ficando mais e mais irritado e, quando percebia, já me pegava gritando. Não havia mais diálogo com ele e a separação era mera questão de tempo. Então, depois de mais uma dessas crises que tanto me infernizavam, minha paciência chegou ao fim. Em um acesso de raiva, esmurrei sua face com força e com a vã esperança de que ele voltaria a ser o que um dia já fôra: um belo smartphone touchscreen Motorola Quench que naquele momento eu, estupidamente , acabava de quebrar.

Thursday, March 17, 2011

O sábio e o tolo.

Todo início de ano, traçamos objetivos para conquistar alguma coisa que queremos muito e que, evidentemente, ainda não possuímos. Ou, se possuímos, ainda não nos satisfaz na quantidade ou qualidade que queremos. No início de 2010, após três anos dedicados a um mestrado, senti que era hora de buscar um retorno financeiro maior em meu trabalho. Até então, vinha fazendo escolhas com vistas a ter uma nova profissão (como professor) e, tendo conseguido isso, procurei aprofundar minha formação. Para tanto afastei-me do mercado publicitário depois de dez anos, justamente no meu melhor momento profissional. Tinha ganhado um prêmio de repercussão nacional e outro de destaque no estado, mas preferi partir para a área docente, mesmo sabendo que, fazendo isso, abriria mão de um salário que até então não havia alcançado.

Nunca me arrependi dessa decisão e, revendo-a com os olhos abertos pelo colírio do tempo, penso que foi uma escolha sábia. Mas se o carinho e o aprendizado que recebi dos meus alunos e professores preencheram minha alma nesses últimos 6 anos, comecei a sentir os bolsos mais vazios, especialmente após o fim do mestrado, quando tive mais tempo livre. Não que eu tenha passado fome ou qualquer dificuldade desse tipo – longe disso, graças a Deus – apenas vinha me ressentindo de não poder fazer mais por minha família e por mim mesmo. Tinha muitos sonhos que ainda queria realizar e assim, quando chegou 2010, pensei: “nesse ano, quero ganhar melhor”.

Consegui. Não fiquei milionário, mas recebi uma proposta de emprego quando mais precisava (minhas aulas tinham sido reduzidas temporariamente a ¼ do normal e, com isso, meu salário caiu bastante). Voltei a trabalhar como publicitário, conciliando as duas ocupações. No semestre seguinte, meu número de turmas aumentou, o que me deixou mais tranquilo em relação à grana. Pude viajar com minha família, investi em nosso conforto e consegui terminar os meses antes do meu salário. Fiz até um “pé de meia” que, no final do ano, ajudou bastante.

Então, quando chegou 2011, pensei: do que eu gostaria agora? Certamente que eu pretendia manter a minha tranquilidade financeira. Mas com isso já estabelecido, eu poderia me concentrar em outros propósitos. Daí, duas coisas vieram à minha mente. Por um lado, resolvi me comprometer um pouco mais com a minha saúde. Queria emagrecer, fazer as pazes com o espelho e não ficar mais dependendo de remédios para controle de asma, azia etc. Sou muito novo pra isso.

Por outro lado, lembrando dos aborrecimentos que tive no ano passado, concluí que me faria bem ser uma pessoa mais sábia. Se eu escolhesse mais sabiamente as minhas lutas, não me machucaria à tôa, nem criaria inimizades. Se eu soubesse controlar o meu ego, essa serpente sorrateira que destila veneno na alma, enxergaria mais claramente as coisas. Seria mais humilde e sensato. E se eu aprendesse a não dar importância àquilo que não merece, carregaria menos peso no coração e estaria mais leve para curtir o que a vida oferece de bom.

Fiquei pensado nisso e percebi que sabedoria é um bem muito mais valioso do que o próprio dinheiro, já que ele vem naturalmente, na hora certa, como resultado de escolhas sábias. E assim também é com a saúde, um benefício que só usufrui aquele que tem a sabedoria de se cuidar e de evitar os excessos e os riscos desnecessários. Procurar ser uma pessoa mais sábia, portanto, foi a minha grande decisão para 2011. Mas peraí: como assim “ser uma pessoa mais sábia”? Olha a serpente aí de novo me fazendo acreditar que eu já sou aquilo que ainda estou longe de ser.

Afinal, em que momento eu poderei olhar pra mim mesmo e afirmar que sou uma pessoa sábia? E supondo que esse dia chegue, não seria um tanto arrogante dizer isso? Continuei refletindo e percebi que a sabedoria não é algo que possa ser conquistado. Deve ser, isso sim, construída. A sabedoria, a bem da verdade, é uma disciplina. Uma virtude que se desenvolve no presente, que se reconhece no passado e se recompensa no futuro. Ninguém pode afirmar que é sábio, porque no instante seguinte já corre o risco de se desmentir por algum gesto ou palavra tola. Seria tolice, portanto, alguém afirmar ou mesmo acreditar que tem sabedoria. Só podemos nos considerar realmente sábios por aquilo que já fizemos e que depois se mostrou acertado. Se conseguirmos acertar mais do que errar em nossos dilemas, teremos uma vida melhor e talvez os outros até nos chamem de sábios no futuro. Nessa hora, convém manter a serpente ainda mais vigiada.

Agora, toda vez que passo por algum momento difícil, peço a Deus sabedoria para saber a atitude certa a tomar. Assim já consegui evitar algumas situações de stress que, fossem pouco tempo atrás, poderiam me prejudicar. Mas tenho ciência de que não terminarei 2011 podendo afirmar que alcancei meu objetivo, como aconteceu no final do ano passado. Não seria sábio dizer isso. Ficarei feliz simplesmente se eu puder olhar no espelho e reconhecer uma pessoa que conseguiu ser melhor nesses últimos 12 meses. O que me lembra da minha estupidez, pois ainda tenho que iniciar minhas caminhadas e retomar minha dieta.

Friday, March 11, 2011

O golpe mais forte

O golpe que mais fere é aquele que vem de repente, de onde a gente não espera. Ficamos desorientados e vamos imediatamente à lona sem saber ao certo o que aconteceu. Já fui nocauteado assim uma vez, quando meu irmão mais novo faleceu. Ele tinha 18 anos e sofreu um acidente de carro quando passeava com os amigos numa tarde de sábado como outra qualquer. Ontem, se estivesse fisicamente aqui conosco, estaríamos comemorando seus 34 anos de vida. Estaria ele casado? Teria filhos? Planos para o futuro? Acredito que sim. Mas quis Deus que o nosso Duti, como carinhosamente o chamávamos, subisse mais cedo. Era sua hora e, crendo nisso, conseguimos encontrar certo consolo.

Agora, novamente um golpe forte vem nos acertar. Foi-se embora uma colega tão jovem, bonita e cheia de vida... Juliana era alguém que, assim como meu irmão, tinha pela frente um futuro repleto de possibilidades. Ao tomar conhecimento de sua partida, confesso que demorei alguns instantes para acreditar. Todos os que gostavam dela, a bem da verdade, devem ter se sentido assim. Especialmente seus familiares e amigos mais íntimos, a quem expresso meus profundos sentimentos.

Todos nos perguntamos o porquê, especialmente pelas circunstâncias em que a sua despedida se deu. Por que alguém que se divertira tanto em sua festa de formatura tomaria, poucos dias depois, uma decisão como essa? Tentamos encontrar alguma razão capaz de explicar algo que, sinceramente, não imagino que possa ser explicado. Porque qualquer que fosse a explicação encontrada, isso não nos levaria de volta no tempo, a tempo de impedir a sua perda. A nossa perda. Seria essa a sua hora? Temos o direito de fazer essa escolha?

De certa forma, nós também ficamos sufocados. Enforcados em nossas dúvidas e na tristeza de não haver mais o que fazer pela Juliana. Como seu ex-professor, já me peguei várias vezes tentando recordar um sinal de que alguma coisa com ela não ia bem. Nunca percebi nada diferente. Só me lembro de uma garota meiga e sorridente, a mesma que dançava e se divertia em seu baile de formatura. E isso só me deixa mais confuso e mais desconsolado.

Como patrono da turma da Juliana, sei que seus colegas também precisam de algumas palavras. Alguma orientação para esse momento de dor. Mas não há muita coisa a dizer, pois como resumiu muito bem o nosso amigo Lamounier, "é preciso uma circunstância dessas, como a que aconteceu com a nossa querida Juliana, para, agora, percebermos que, afinal, nós também não somos lá tão fortes assim. Pensar que somos mais fortes para lidar com as perdas revela-se uma ilusão. Neste assunto, também nós, professores, estaremos constantemente aprendendo."

A mim, a perda da Juliana ensinou que preciso estar mais atento às pessoas que me cercam. Aos meus amigos, meus parentes, minhas filhas e, claro, aos meus alunos. Para que eu perceba melhor as suas ansiedades, suas dificuldades, suas frustrações. Para que eu seja capaz de ouvi-los e orientá-los melhor. E para que assim eu possa inspirá-los e me manter inspirado para a vida. Acredito que seja essa a grande lição que Juliana nos deixou. Aprendê-la é uma forma de honrar sua memória e de trazer um pouco de consolo ao nosso coração.

Wednesday, February 23, 2011

Porque eu acabei fazendo concurso público.

Prestar concurso público nunca foi um projeto que me atraiu. Tanto que, em 16 de setembro de 2004, publiquei aqui no Jeremias um desabafo explicando porque eu não faria concurso, apesar da insistência de familiares, amigos e dos intrometidos de plantão. Na ocasião, eu disse que manteria os meus pés firmes nessa decisão, pelo menos por ora, fosse por convicção, idealismo ou imaturidade. Hoje, devo dizer que não só mudei minha opinião, como – sim – já cheguei a prestar concursos públicos. Prestei um para a Petrobrás a alguns anos e, depois, tentei o TRT-MG. Por que mudei de ideia? Bom, ainda sou idealista, mas devo ter amadurecido e, certamente, continuo acreditando nas minhas convicções.

Evidentemente, depois da época em que declarei meu “irc” aos concursos públicos, minha vida mudou muito. Nesses sete anos, tive duas filhas, cursei licenciatura, fiz um mestrado e saí do mercado publicitário para ser professor. Não é que eu tenha desistido da publicidade, como se espantaram alguns amigos na época em que contei minha decisão. Tanto que voltei a trabalhar em agência. O fato é que a docência me trouxe uma experiência humana muito mais gratificante. Algo impossível de se encontrar criando anúncios para promoções de pneus... Mas, infelizmente, por mais realizador que seja, somente esse trabalho como professor não poderia me garantir o padrão de vida e a segurança que eu buscava para mim e a minha família. E aí, tão logo concluí o mestrado, percebi que precisava buscar algo mais. Algo que me desse tranquilidade, sem exigir que eu abrisse mão da docência.

Foi aí que a opção “concurso público” voltou a entrar em cena. Sabe aquela pessoa do colégio que nunca te interessou e, muito tempo depois, você reencontra e dessa vez ela te chama atenção? Pois é, foi mais ou menos assim. No início, claro, eu relutei bastante. O concurso da Petrobrás, reconheço que fiz só para apaziguar os bem intencionados conselhos da família. Eu estava naquele momento de definir o que fazer e aí apareceu a oportunidade. “Por que você não faz o concurso?” Acabei fazendo.

Confesso que não estudei absolutamente nada. Como era para a área de publicidade – minha formação de origem – simplesmente fui lá e fiz a prova. E aconteceu exatamente o que eu queria: fui aprovado, mas sem qualquer chance de nomeação (salvo se umas setecentas e quarenta e cinco pessoas forem abduzidas, o que convenhamos é bem improvável).

Na verdade, me desestimulou muito pensar que eu teria que ficar afastado da minha família – um sacrifício válido e provavelmente temporário, eu sei, mas que eu preferia não ter que enfrentar. Reconheço meus limites e sei que estar longe das pessoas que eu amo é um deles. Só que daí em diante, comecei a prestar mais atenção nas vantagens oferecidas pelos inúmeros concursos que existem por aí. Comecei, óbvio, sondando aqueles da área docente, mas sem identificar oportunidades que me interessassem ou para as quais meu perfil se adequasse. E nisso conversei muito com amigos meus que direcionaram suas vidas para o serviço público e me recomendaram bastante esse caminho. Aí apareceu o concurso do TRT.

Motivado pelos conselhos recebidos, percebi que poderia ter ali uma condição de trabalho interessante e, quem sabe, continuar perto da minha família e atuando também como professor. Claro que tinha uma série de variáveis, mas minha própria formação poderia me ajudar a permanecer na minha cidade. Só tinha um detalhe: eu não conhecia absolutamente nada sobre a área de atuação do TRT.

De repente, lá estava eu fazendo cursinho para prestar concurso. E dessa vez foi uma decisão minha, ninguém me forçou a isso. Eu acreditava que tinha chegado a hora de partir pra esse lado. Não me senti “vira casaca”, nem fiquei envergonhado em fazer essa escolha depois te ter declarado tão veementemente minha aversão à ideia de prestar concurso. Só que também não me senti nem um pouco empolgado com isso. Foi uma decisão absolutamente racional. E, assim sendo, não pude afastar de mim o olhar de professor e pesquisador enquanto assistia às aulas do cursinho.

Ficava observando os professores despejando conteúdo atrás de conteúdo, bem como os alunos copiando, copiando e copiando. Ficava nítida a ansiedade de alguns, que apostavam todas as suas fichas naquele concurso, sem saber se seriam aprovados e, mesmo que fossem, se conseguiriam finalmente uma nomeação. Também tinham aqueles “concurseiros”, que tentavam todo tipo de concurso, sempre buscando um salário melhor. Eu não tinha toda essa gana. Meu cérebro estava ali. Meu coração, não.

Quero deixar claro que não critico nenhuma dessas pessoas que abraçam como projeto de vida tentar ingressar na carreira pública. Penso que cada um deve seguir aquilo que acredita ser o melhor para si. Eu também tinha consciência do porquê estava ali naquele cursinho. E sabia que provavelmente não iria passar daquela vez (como de fato não passei), pois havia muitos candidatos muitíssimo mais preparados do que eu. Concluí, ainda durante o curso, que esse seria um projeto de longo prazo. Aquele seria só o primeiro passo. Eu deveria continuar estudando em casa, com mais calma e concentração, e faria outro cursinho quando estivesse mais perto de sair um novo edital.

Mas a gente não engana o próprio coração. Continuo dando aula, voltei a trabalhar com publicidade e deixei os meus livros do cursinho guardados em casa. Sei que, no futuro, pode ser que eu queira reabri-los. Mas sinto que é mais provável que eu tenha que fazer isso. Pelo menos uma coisa é certa: prestar concurso público já não é uma hipótese que eu abomine.

Tuesday, February 08, 2011

Discutindo a relação

Oi, Jeremias.

Sei que tenho sido muito relapso com você. Há tempos não venho aqui para conversarmos. Retorno ocasionalmente para revê-lo, mas saio sempre à francesa, sem dizer nada mais sobre a minha vida, meu trabalho, minha família, meus sonhos. A verdade é que não sei bem o que fazer com você, meu amigo. Sinceramente, nunca soube. Até mesmo o seu nome – Jeremias Boob – poucos entendem o significado. E eu sei que a culpa disso é toda minha, afinal, nunca deixei claro para os outros quem é você ou a que você veio.

Creio que o seu nascimento foi um ímpeto meu, que tinha muito a dizer e na época buscava alguém para ouvir (papel que, aliás, você sempre cumpriu muito bem). Assim, nos primeiros tempos (e lá se vão 7 anos!) eu vinha frequentemente visitá-lo e deixava minhas palavras expostas aqui para quem as quisesse ler. Sem assuntos predefinidos, sem compromissos, nem expectativas, nós conversávamos sobre qualquer coisa. Minha única regra era não ter nenhuma obrigação com você.

Admito que isso pode soar meio cafajeste, mas sei que você me entende, Jeremias, afinal desde o início foi assim. Não queria me comprometer a estar sempre aqui, a ter que inventar o que dizer, mesmo sem vontade ou sem tempo, apenas para bater ponto. Não, essa de virar “blogueiro” nunca fez sentido pra mim e até hoje continua não fazendo. Também nunca pretendi fazer das minhas visitas uma agenda diária. Queria apenas vir aqui de vez em quando e deixar aos seus cuidados aquilo que, por alguma razão, senti necessidade de registrar.

Só que, com o passar dos textos, algo inesperado aconteceu. Você ganhou vida própria e começou a chamar uma atenção que eu sequer imaginava. De repente – e sem que eu percebesse – você já tinha várias perguntas a me fazer. Perguntas de pessoas amigas e desconhecias que eu, na mais completa falta de educação, acabei deixando sem resposta. Até agora.

Mas antes de respondê-las, gostaria de dizer em minha defesa, se me permite, Jeremias, que os últimos anos foram muito exaustivos. Muito. A ponto de meu tempo se esvair, levando consigo a minha disposição de separar alguns momentos para vir até aqui colocar as novidades (e os sonhos) em dia. Por isso, na mesma medida em que você ganhou a atenção de outras pessoas, aos poucos foi perdendo a minha. E agora, ao que parece, estamos sós novamente. Apenas eu e você. Sem comentários.

Então eu me pergunto: o que farei com você, Jeremias? Como fica a nossa relação? Continuo não querendo transformar os nossos encontros em rotina. Não vejo razão em vir aqui só por vir. Escrever só por escrever. Para mim sua existência só faz sentido se fizer sentido o que tivermos pra dizer. Por outro lado, é muito bom saber que posso contar com você para o que der e vier: para desabafar, para poetizar, para filosofar, para rir, para chorar, para rezar, para agradecer, enfim... é para isso que você existe. Ter você para me abrir me faz sentir muito bem. E vez ou outra, conseguimos provocar o mesmo em outras pessoas (o que me faz sentir ainda melhor).

Por tudo isso, tenho pensado muito que é hora de levar um pouco mais a sério a nossa relação. Só não espere que eu venha aqui toda semana com alguma surpresa para você. Se eu puder, virei até mais de uma vez. Mas como eu disse: só se fizer sentido. O que eu espero, isso sim, é ceder mais vezes a esses apelos de colocar sentimentos em palavras. Tentarei ser menos preguiçoso e mais produtivo. Mais espontâneo.

Já tenho alguns assuntos sobre os quais quero falar. Tenho respostas a dar, ainda que com grande atraso, para as pessoas que vieram (e também para as que vierem) visitar você, Jeremias. Pessoas interessadas naquilo que discutimos aqui, porque para elas isso também tem algum sentido. Como a possibilidade de prestar concurso público, por exemplo, sobre a qual falei muito tempo atrás e logo falarei novamente. Conversaremos sobre isso em nossos próximos encontros.

Por ora, e para finalizar (ou melhor, sinalizar) esse recomeço, acho que devo pelo menos explicar de onde veio seu nome - Jeremias Boob. É simples: quem me conhece sabe o quanto eu gosto dos Beatles. E quem também é fã dos fab four sabe que Jeremias Boob é um personagem do filme Yellow Submarine – personagem esse que também é conhecido como Nowhere Man. Ocorre que, pouco antes de você nascer, caro amigo, eu ganhei uma premiação de publicidade utilizando o seu apelido como pseudônimo. Quando tive que escolher um nome pra você, pensei que daria sorte utilizar o mesmo apelido. Como Nowhere Man não estava disponível, resolvi assim te batizar como Jeremias Boob. Meu blog.