Friday, November 26, 2004

Remédios e crianças

Tem horas em que ser pai não é fácil. E é justamente nos momentos difíceis que a gente aprende as maiores lições de vida. Nesses dias mesmo, aprendi mais uma. Minha filha de 3 anos vem passando por uma incômoda infecção labial, que segundo o pediatra, muitas crianças costumam desenvolver nessa idade. Em conseqüência disso, ela nem está se alimentando direito, pois mal consegue mastigar. Daí você imagina como é difícil escovar os dentinhos dela, ou manter uma mínima higiene bucal. Agora, some tudo isso com a chegada de uma nova irmãzinha. Com certeza, além da dor que ela sente, há também aquela “manha” esperada de quem era rainha e agora tem que dividir o trono.

Aí começa a dificuldade: a gente tem que ser compreensivo pelo momento que ela está passando, mas não podemos deixar de tratá-la, apesar de todo choro e toda birra. Então, quando chega a hora dos remédios, não sei se o sofrimento maior é dela ou meu. Às vezes preciso segurá-la à força, enfrentando seus gritos e contrariando seus pedidos, e isso me corta o coração. Meus pais devem ter passado pela mesma situação, mas só agora compreendo como foi difícil. Aliás, confesso que segurar meu bebé para que ele fosse vacinado não me doeu tanto quanto segurar a minha filha para lhe dar o remédio. Principalmente porque ela já tem consciência do que vai acontecer, quando preciso segurá-la no meu colo.

Da última vez, depois de medicada, ela explodiu: “que vergonha!” Não sei se ela teve consciência do que disse, mas me assustei bastante. Eu me vi como o pior pai do mundo, um bruto que imobiliza uma criancinha só para dar um remédio. Claro que não foi isso. Mas foi isso que eu senti. Era como seu eu estivesse ferindo a dignidade da minha filha, daí a vergonha que ela teve. E eu, ainda mais. Sei que estava certo, mas nunca mais me esquecerei daquela cena. Sem derramar nenhuma lágrima, eu chorei. Foi ali que eu entendi, mais do que nunca, que ser pai é fazer o melhor pelos filhos, mesmo contra a vontade deles. Mesmo deixando cair a máscara de super-herói.

E foi assim que eu aprendi outra lição, mais importante ainda: muitas vezes, a gente também age como crianças, rejeitando os remédios amargos que a vida nos impõe. Nessas horas, vou me lembrar, por maior que seja minha vergonha, que também não é fácil pro nosso Pai lá de cima ajudar a gente a curar nossas feridas e a crescer como pessoa.

Hoje, agradeço muito a Deus e a meus pais. Amanhã, espero que minha filha faça o mesmo.