Tuesday, March 22, 2011

Fim de papo.

A história que eu vou contar agora não tem final feliz. É sobre um relacionamento que encerrei de forma destemperada, depois de apenas alguns meses. Inicialmente, claro, como a maioria dos relacionamentos, a expectativa era grande. Estávamos em um shopping quando nos conhecemos e, logo de imediato, sua beleza e elegância me atraíram. Numa breve conversa, descobri que, além de fino e cheio de estilo, ele era super antenado. Navegava pela internet, frequentava minhas redes sociais, tocava minhas músicas preferidas. Impossível não chamar minha atenção. Parecíamos feitos um para o outro! E quando o toquei pela primeira vez, não tive dúvidas. Fomos direto para minha casa.

A forma como ele reagia aos meus toques, aliás, era impressionante: deixava-se levar por meus dedos sem qualquer resistência. Toda noite íamos para a cama brincar antes de dormir. Acordava com ele e passávamos o dia juntos, sempre nos falando ao pé do ouvido. Mas na medida em que o conheci melhor, uma coisa passou a me incomodar: ele não vibrava comigo. Nunca. Quando eu mais esperava uma reação assim de sua parte, ele apenas ficava silencioso, como se estivesse morto.

Pensei que pudesse conviver com isso, mas não. Expus o problema e me afastei dele durante algumas semanas, esperando a sua reparação e na esperança de que o reencontro fortalecesse a nossa ligação. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. Se por um lado ele voltara mais vibrante, por outro ignorava minhas intenções e me deixava falando sozinho. Recusava meu toque e, sem que eu percebesse, invadia minha agenda telefônica e ligava para meus amigos e parentes, que atendiam completamente atônitos.

Eu vinha ficando mais e mais irritado e, quando percebia, já me pegava gritando. Não havia mais diálogo com ele e a separação era mera questão de tempo. Então, depois de mais uma dessas crises que tanto me infernizavam, minha paciência chegou ao fim. Em um acesso de raiva, esmurrei sua face com força e com a vã esperança de que ele voltaria a ser o que um dia já fôra: um belo smartphone touchscreen Motorola Quench que naquele momento eu, estupidamente , acabava de quebrar.

Thursday, March 17, 2011

O sábio e o tolo.

Todo início de ano, traçamos objetivos para conquistar alguma coisa que queremos muito e que, evidentemente, ainda não possuímos. Ou, se possuímos, ainda não nos satisfaz na quantidade ou qualidade que queremos. No início de 2010, após três anos dedicados a um mestrado, senti que era hora de buscar um retorno financeiro maior em meu trabalho. Até então, vinha fazendo escolhas com vistas a ter uma nova profissão (como professor) e, tendo conseguido isso, procurei aprofundar minha formação. Para tanto afastei-me do mercado publicitário depois de dez anos, justamente no meu melhor momento profissional. Tinha ganhado um prêmio de repercussão nacional e outro de destaque no estado, mas preferi partir para a área docente, mesmo sabendo que, fazendo isso, abriria mão de um salário que até então não havia alcançado.

Nunca me arrependi dessa decisão e, revendo-a com os olhos abertos pelo colírio do tempo, penso que foi uma escolha sábia. Mas se o carinho e o aprendizado que recebi dos meus alunos e professores preencheram minha alma nesses últimos 6 anos, comecei a sentir os bolsos mais vazios, especialmente após o fim do mestrado, quando tive mais tempo livre. Não que eu tenha passado fome ou qualquer dificuldade desse tipo – longe disso, graças a Deus – apenas vinha me ressentindo de não poder fazer mais por minha família e por mim mesmo. Tinha muitos sonhos que ainda queria realizar e assim, quando chegou 2010, pensei: “nesse ano, quero ganhar melhor”.

Consegui. Não fiquei milionário, mas recebi uma proposta de emprego quando mais precisava (minhas aulas tinham sido reduzidas temporariamente a ¼ do normal e, com isso, meu salário caiu bastante). Voltei a trabalhar como publicitário, conciliando as duas ocupações. No semestre seguinte, meu número de turmas aumentou, o que me deixou mais tranquilo em relação à grana. Pude viajar com minha família, investi em nosso conforto e consegui terminar os meses antes do meu salário. Fiz até um “pé de meia” que, no final do ano, ajudou bastante.

Então, quando chegou 2011, pensei: do que eu gostaria agora? Certamente que eu pretendia manter a minha tranquilidade financeira. Mas com isso já estabelecido, eu poderia me concentrar em outros propósitos. Daí, duas coisas vieram à minha mente. Por um lado, resolvi me comprometer um pouco mais com a minha saúde. Queria emagrecer, fazer as pazes com o espelho e não ficar mais dependendo de remédios para controle de asma, azia etc. Sou muito novo pra isso.

Por outro lado, lembrando dos aborrecimentos que tive no ano passado, concluí que me faria bem ser uma pessoa mais sábia. Se eu escolhesse mais sabiamente as minhas lutas, não me machucaria à tôa, nem criaria inimizades. Se eu soubesse controlar o meu ego, essa serpente sorrateira que destila veneno na alma, enxergaria mais claramente as coisas. Seria mais humilde e sensato. E se eu aprendesse a não dar importância àquilo que não merece, carregaria menos peso no coração e estaria mais leve para curtir o que a vida oferece de bom.

Fiquei pensado nisso e percebi que sabedoria é um bem muito mais valioso do que o próprio dinheiro, já que ele vem naturalmente, na hora certa, como resultado de escolhas sábias. E assim também é com a saúde, um benefício que só usufrui aquele que tem a sabedoria de se cuidar e de evitar os excessos e os riscos desnecessários. Procurar ser uma pessoa mais sábia, portanto, foi a minha grande decisão para 2011. Mas peraí: como assim “ser uma pessoa mais sábia”? Olha a serpente aí de novo me fazendo acreditar que eu já sou aquilo que ainda estou longe de ser.

Afinal, em que momento eu poderei olhar pra mim mesmo e afirmar que sou uma pessoa sábia? E supondo que esse dia chegue, não seria um tanto arrogante dizer isso? Continuei refletindo e percebi que a sabedoria não é algo que possa ser conquistado. Deve ser, isso sim, construída. A sabedoria, a bem da verdade, é uma disciplina. Uma virtude que se desenvolve no presente, que se reconhece no passado e se recompensa no futuro. Ninguém pode afirmar que é sábio, porque no instante seguinte já corre o risco de se desmentir por algum gesto ou palavra tola. Seria tolice, portanto, alguém afirmar ou mesmo acreditar que tem sabedoria. Só podemos nos considerar realmente sábios por aquilo que já fizemos e que depois se mostrou acertado. Se conseguirmos acertar mais do que errar em nossos dilemas, teremos uma vida melhor e talvez os outros até nos chamem de sábios no futuro. Nessa hora, convém manter a serpente ainda mais vigiada.

Agora, toda vez que passo por algum momento difícil, peço a Deus sabedoria para saber a atitude certa a tomar. Assim já consegui evitar algumas situações de stress que, fossem pouco tempo atrás, poderiam me prejudicar. Mas tenho ciência de que não terminarei 2011 podendo afirmar que alcancei meu objetivo, como aconteceu no final do ano passado. Não seria sábio dizer isso. Ficarei feliz simplesmente se eu puder olhar no espelho e reconhecer uma pessoa que conseguiu ser melhor nesses últimos 12 meses. O que me lembra da minha estupidez, pois ainda tenho que iniciar minhas caminhadas e retomar minha dieta.

Friday, March 11, 2011

O golpe mais forte

O golpe que mais fere é aquele que vem de repente, de onde a gente não espera. Ficamos desorientados e vamos imediatamente à lona sem saber ao certo o que aconteceu. Já fui nocauteado assim uma vez, quando meu irmão mais novo faleceu. Ele tinha 18 anos e sofreu um acidente de carro quando passeava com os amigos numa tarde de sábado como outra qualquer. Ontem, se estivesse fisicamente aqui conosco, estaríamos comemorando seus 34 anos de vida. Estaria ele casado? Teria filhos? Planos para o futuro? Acredito que sim. Mas quis Deus que o nosso Duti, como carinhosamente o chamávamos, subisse mais cedo. Era sua hora e, crendo nisso, conseguimos encontrar certo consolo.

Agora, novamente um golpe forte vem nos acertar. Foi-se embora uma colega tão jovem, bonita e cheia de vida... Juliana era alguém que, assim como meu irmão, tinha pela frente um futuro repleto de possibilidades. Ao tomar conhecimento de sua partida, confesso que demorei alguns instantes para acreditar. Todos os que gostavam dela, a bem da verdade, devem ter se sentido assim. Especialmente seus familiares e amigos mais íntimos, a quem expresso meus profundos sentimentos.

Todos nos perguntamos o porquê, especialmente pelas circunstâncias em que a sua despedida se deu. Por que alguém que se divertira tanto em sua festa de formatura tomaria, poucos dias depois, uma decisão como essa? Tentamos encontrar alguma razão capaz de explicar algo que, sinceramente, não imagino que possa ser explicado. Porque qualquer que fosse a explicação encontrada, isso não nos levaria de volta no tempo, a tempo de impedir a sua perda. A nossa perda. Seria essa a sua hora? Temos o direito de fazer essa escolha?

De certa forma, nós também ficamos sufocados. Enforcados em nossas dúvidas e na tristeza de não haver mais o que fazer pela Juliana. Como seu ex-professor, já me peguei várias vezes tentando recordar um sinal de que alguma coisa com ela não ia bem. Nunca percebi nada diferente. Só me lembro de uma garota meiga e sorridente, a mesma que dançava e se divertia em seu baile de formatura. E isso só me deixa mais confuso e mais desconsolado.

Como patrono da turma da Juliana, sei que seus colegas também precisam de algumas palavras. Alguma orientação para esse momento de dor. Mas não há muita coisa a dizer, pois como resumiu muito bem o nosso amigo Lamounier, "é preciso uma circunstância dessas, como a que aconteceu com a nossa querida Juliana, para, agora, percebermos que, afinal, nós também não somos lá tão fortes assim. Pensar que somos mais fortes para lidar com as perdas revela-se uma ilusão. Neste assunto, também nós, professores, estaremos constantemente aprendendo."

A mim, a perda da Juliana ensinou que preciso estar mais atento às pessoas que me cercam. Aos meus amigos, meus parentes, minhas filhas e, claro, aos meus alunos. Para que eu perceba melhor as suas ansiedades, suas dificuldades, suas frustrações. Para que eu seja capaz de ouvi-los e orientá-los melhor. E para que assim eu possa inspirá-los e me manter inspirado para a vida. Acredito que seja essa a grande lição que Juliana nos deixou. Aprendê-la é uma forma de honrar sua memória e de trazer um pouco de consolo ao nosso coração.