Thursday, September 30, 2004

A volta do lanterninha

Sempre gostei de ir ao cinema. Apesar de não ser nenhum cinéfilo fanático, nem crítico antipático, costumo assistir meus filminhos até com bastante frequência. Por isso, percebi uma coisa chata que vem acontecendo. O comportamento do público mudou. As pessoas estão perdendo a admiração e até mesmo o respeito pela sétima arte. Posso até estar errado ou exagerando, então pense comigo. Antigamente, ir ao cinema era um programa que tinha muito mais glamour. As pessoas se arrumavam, perfumavam e se encontravam especialmente pra isso. Naquelas salas grandes como as do Cine Palladium, a gente se acomodava e, naquelas duas horas mais ou menos, mergulhava na história que se passava na telona. Me lembro, mais de uma vez, das pessoas aplaudirem o filme no final, como se o diretor ou os atores pudessem receber pessoalmente as palmas. Ali, no escurinho do cinema, chupando drops de anis e longe de qualquer problema, acontecia no máximo uma conversinha ao pé do ouvido. Claro que havia os chatos, mas não era como hoje.

Naquela época, tínhamos duas figuras clássicas dentro do cinema. Uma era o baleiro, carregando sua bandeja de chocolates e chacoalhando uma caixinha de mentex. A outra era o saudoso lanterninha. Lembra dele? Aquele senhor que indicava o lugar para as pessoas depois que as luzes se apagavam. Aquele mesmo que iluminava os namorados mais afoitos (Yes! I saw the light!), corrigia os folgados que colocavam o pezão na poltrona da frente e, principalmente, inibia os insuportáveis que ameaçavam atrapalhar o programa dos outros. E não é que dava certo? Quem não tinha medo, ou pelo menos vergonha de tomar um clarão?

Aos poucos, as coisas mudaram. Começou com a popularização do vídeo-cassete. Disseram que o cinema estava indo pra dentro de casa, o que na prática era bobagem, já que o cinema continuava sendo diferente, especial. Lá não tinha telefone tocando, gente passando em frente à TV, cachorrinho fazendo xixi no tapete, nem mamãe chamando pro lanche. O cinema ainda era o Cinema, graças a Deus. Depois é que aconteceu o pior: levaram as casas para dentro do cinema. Explico: a decadência das grandes salas e o surgimento do cinema de shopping criou um novo tipo de público. O das pessoas que acham que estar em uma sala de cinema é o mesmo que entrar numa loja ou restaurante. Assim o filme deixou de ser uma opção de lazer e cultura, transformando-se num mero produto de consumo. Ou seja: o cinema virou fast-food.

Hoje, o que acontece é que as pessoas não se importam tanto com aquilo que estão assistindo. Simplesmente acham que, pagando o ingresso, podem entrar e agir como quiserem. E o pior é que agem: inundam as salas de lixo e pipoca, atendem o telefone celular sem nenhuma cerimônia, conversam, riem, fofocam, tiram até o sapato. Sentem-se literalmente em casa, criando um desconforto tão grande que nem parece que elas são minoria. Aliás, uma minoria muito atrevida, diga-se de passagem. São pessoas que realmente não se importam em incomodar as demais e chegam mesmo a se divertir com isso. Quanto mais irritam os outros, mais se tornam provocativas.

Certa vez, por exemplo, na última sessão de um filme no Diamond Mall, havia uma mulher conversando em alto e bom tom. Certamente era uma pessoa sem segredos, pois não fazia a mínima questão de falar baixo, pelo contrário. Seu acompanhante, a muito custo, tentava conter a tagarela que já irritava muitas pessoas, inclusive eu. Algumas pediam silêncio, chiavam, reclamavam e, quanto mais isso acontecia, pior ficava. "Outro dia, no Minas Shopping, foi a mesma coisa." dizia ela, sentindo-se ultrajada em ser criticada pelo seu comportamento. Vejam só que absurdo. As reclamações continuaram e lá veio ela com a sua justificativa injustificável: "Eu paguei o ingresso e tenho todo o direito de conversar"... Nessas alturas, meu sangue já estava em ebulição. E o filme, que era bem legal, acabou perdendo muito da sua graça. Então, assim que as luzes se acenderam, onde estava a mulher? Todos olharam em sua direção e ela já tinha saído. Naturalmente, um pouco antes do final. E daí para o filme?

Numa outra oportunidade, algo parecido aconteceu. Estava assistindo "A Fuga das Galinhas", uma animação em massa de modelagem muito bem feita. A trama, pra quem não viu, é muito interessante e capaz de envolver tanto adultos quanto crianças. Quando fui ao cinema, querendo evitar um pouco o público infantil, escolhi à última sessão no Shopping Cidade (não venha me dizer que o problema era o perfil do público, afinal, não viu o caso anterior?). Até logo depois do início do filme, havia poucas pessoas na sala. Mas a tranquilidade foi-se embora com a chegada de um bando pirralhos. Como se estivessem em sala de aula, eles se sentaram na última fila gritando, conversando e nem dando bola pro filme. Junto com eles estava um rapaz que, em vez de orientar, sentia-se o professor. Mais um ponto contra o Cinema.

Tudo isso me faz pensar: por que não trazem o lanterninha de volta? Além de criar novos empregos, tenho certeza de que as pessoas ficariam mais civilizadas. Se não desse resultado, aí sim poderíamos tentar soluções alternativas, como trocar a lanterninha por um fuzil AR15 com mira laser. E com sinalizador também, é claro, para não atrapalhar o filme. Outra idéia seria instalar um botão eject nas poltronas de cidadãos indesejáveis. Ou então, quem sabe, transformá-las logo numa cadeira elétrica. Aí sim, o programa ficaria emocionante.

3 comments:

VIDA LOCA SHOW said...

Oba, tudo bem?

Você por acaso sabe de alguma sala de cinema que ainda possui lanterninhas, ou se há algum tipo de sindicato, ou algo assim?

aguardo retorno e parabéns pelo blog, bem escrito os textos

Ariadne Ecar said...
This comment has been removed by the author.
Ariadne Ecar said...

Olá! Acabei de chegar do cinema com muita raiva e resolvi acessar à internet para ver se eu achava algo sobre o lanterninha. Está impossível assistir a alguma sessão no Cinemark de NIterói. Concordo quando você diz que as pessoas se sentem no direito de fazer qualquer coisa porque estão pagando. Eu resolvi fazer um abaixo assinado pela volta do lanterninha ou de qualquer outra pessoa que ponha ordem nessa bagunça. Assim não dá para continuar. Tenho pensado muito sobre essa questão do barulho e do silêncio, pelo que percebo as pessoas não conseguem silenciar, nem na hora da aula quando os fatídicos telefones celulares tocam e o pior é que as pessoas atendem concorrendo com a fala do professor. Isso foi um desabafo, quem quiser abarcar esta idéia do abaixo assinado serei a primeira a assinar.