Saturday, April 16, 2011

O bilhete


Qual é a coisa mais valiosa que alguém pode ter? Há algum tempo eu descobri essa resposta, mas sempre acabava deixando pra escrever sobre isso depois. Várias vezes já me peguei ensaiando mentalmente uma conversa sobre o assunto aqui com o Jeremias, mas por alguma razão que não sei explicar, eu sentia que ainda não era o momento de falar disso. Até que recebi este bilhete aí da minha filha mais nova.


Minha baixinha tem 6 anos, ela é sapeca, engraçada, carinhosa e, pra minha alegria, ela é super agarrada comigo. Ontem caiu o seu dentinho da frente e ela ficou toda serelepe, sorrindo banguelinha de frente para o espelho. Que comédia! Só criança mesmo pra gostar de se ver com uma baita janela no sorriso.

Pois, hoje, a janelinha virou varanda gourmet. Caiu um segundo dentinho e ela ficou mais alegre ainda. Não parava de se admirar e de mostrar o sorrisão pra mamãe, pra irmãzinha e pros avós. Somente eu não pude ver. Mais uma vez, tive que tirar o sábado para dar conta do trabalho acumulado ao longo da semana.

Com minha esposa de plantão no hospital, minhas filhas vão dormir na casa dos meus sogros (ou dos meus pais) e, com isso, tenho a paz necessária para trabalhar. Mas tão logo a casa fica vazia, sinto que não é exatamente paz o que me sobra. E percebo que quem se esvazia na realidade sou eu.

Nesses momentos, tento me convencer de que o sacrifício vale a pena. Sei que é uma necessidade trabalhar no fim de semana. Mas até que ponto? Até que preço? Vejo famílias se esfacelando porque não investem tempo de qualidade em si mesmas. Com o ritmo de trabalho que a gente vive, quanto tempo sobra pra gente viver? Digo, realmente viver?

Outro dia mesmo, meu pai me disse pra curtir os filhos enquanto é tempo, porque depois que eles crescem, a vida vira uma correria. Aí acabou... mal dá tempo da gente se encontrar. Imagino quanto lhe doeu dizer isso. Ouvir também não foi fácil. Quando somos crianças, queremos a companhia dos pais, mas eles estão frequentemente ocupados. Quando eles se aposentam e aí têm mais tempo, então somos nós que entramos na ciranda e mal conseguimos parar. Irônico, não? Deve ser por isso que avós e netos se entendem tão bem. Sem a pressa e a pressão do dia a dia, eles podem aproveitar melhor o seu tempo juntos.

Uma semana antes da minha filha me entregar esse bilhete, lembro-me dela me procurar insistentemente: "papai, brinca comigo?". E eu sempre respondia que tinha que trabalhar. Provas pra corrigir, provas pra elaborar, coisas a resolver. "Então depois que você terminar você brinca?" Mas depois de uma tarefa vinha outra, outra e mais outra. De repente, a semana passada já havia se emendado com a próxima.

Quando recebi o bilhete, não pude deixar de pensar o quanto estou em débito com minhas filhas. E o quanto elas são maravilhosas e pacientes, porque apesar disso elas ainda me dão todo crédito. Chego em casa e ganho um abraço forte que literalmente me derruba. Recebo declarações de amor e ainda escuto que sou "o melhor papai do mundo". Isso não tem preço! Mas como todo crédito, esse também tem um limite e foi justamente disso que o bilhete me lembrou. Tempo é o que nós temos de mais precioso. E não é simplesmente para gastar, mas sim para investir. Investir nas coisas que gostamos e, sobretudo, nas pessoas que amamos.

Por que a minha filha de repente me trouxe um bilhete pedindo que eu confirmasse que gosto dela? Não é óbvio? Será que é mesmo? Pra baixinha, isso pode ter sido só uma brincadeira, mas para mim foi muito mais. Esse pedacinho de papel é um contrato que eu quero assinar todos os dias. E não só com a Mariana, mas também com minha outra filha, com a minha esposa, meus pais e meu irmão.

O sábado foi embora, mas o domingo está só começando. E não importa quanta coisa eu ainda tenha pra fazer, isso vai ter que esperar. Afinal, o relógio não anda para trás. Dentes de leite não nascem duas vezes. Por isso, hoje o trabalho é que vai dar um tempo pra mim.