Thursday, October 14, 2004

MELOSQÜÊNCIA, A ARTE DA PROSOPOPÉIA BABILONESCA.

Quem trabalha em propaganda sabe: tem horas em que a gente tem que falar muito, sem ter absolutamente nada pra dizer. É triste, mas é verdade. E isso não acontece só com os redatores, não. Os diretores de arte também sofrem. Quantas vezes não tem foto, ilustração, produto, nem oferta pra “enfeitar” (ou enfeiar) um anúncio? Aí é o tal do “seja criativo”. Dá vontade de matar. Afinal, não dá pra tirar o coelho da cartola, se o coelho não estiver lá. E, se algum mágico disser que faz isso, não acredite, o Mister M já provou que é mentira.

Na propaganda não é diferente: a gente também não faz mágica, no máximo cria ilusões. É aí que entra esse recurso maravilhoso que eu costumo de chamar de “melosqüência”. Gostou do nome? Infelizmente, não fui eu que inventei. Nem “prosopopéia babilonesca”, criação de outro amigo meu. Mas foi idéia minha juntar as duas expressões para batizar esse conjunto de técnicas extremamente sofisticadas. Normalmente, como são os redatores que escrevem (dãaaa), eles é que costumam empregá-las com maior freqüência. Veja um exemplo: para anunciar um automóvel, em vez de dizer simplesmente “Vendo Automóvel”, você diz:

- Vendo maravilhoso automóvel (o adjetivo ajuda a valorizar o produto e justificar o preço)
- Quase zero (na verdade, já rodou 99.999 km, então, daqui a pouco, o odômetro zera)
- Único dono (já pertenceu a 19 proprietários, mas atualmente é só de um, logo, a informação é verdadeira)
- Nunca bateu (só apanhou)
- Carro do ano (1973, mas isso você não precisa mencionar)
- Preço super vantajoso (para o vendedor, claro)
- Condições imperdíveis (20 / 40 / 60 segundos)

Agora, vamos ver como o anúncio ficaria: “Vendo maravilhoso automóvel, quase zero, único dono, nunca bateu. Carro do ano. Preço super vantajoso, condições imperdíveis.” Ficou ou não ficou atrativo? E olha que nesse exemplo eu só usei algumas técnicas da prosopopéia babilonesca. Digamos que foi “Melosqüência” grau 1. Quer saber outras regras? Lá vai: se o texto ficou curto, procure inserir algumas palavras longas que dão sentido de reforço. Tipo “exclusivamente”, “especialmente”, “extremamente” (uma das minhas preferidas). Mas cuidado para não repetir a mesma palavra, nem usar muitas parecidas no mesmo parágrafo, senão fica muito óbvio.

Outra coisa: procure expressões sofisticadas, tipo “sofisticadas”, para dar um upgrade no texto. Ah, como você vê, palavras em inglês também funcionam bem. Elas demonstram o know-how do cliente. Como recurso de estética, você também pode usar um italizado nessas expressões. Isto confere uma nuance altamente chic ao texto, maximizando a credibilidade do produto ou serviço em questão.

Evite também frases extremamente curtas e, nesse propósito, use e abuse dos sinônimos, pois assim você consegue alongar imensamente um período que poderia ser dito utilizando-se pouquíssimos vocábulos, como neste próprio parágrafo, que poderia ser resumido simplesmente dizendo-se: “evite frases curtas”.

Bom, depois de tudo isso, acho melhor parar por aqui. Claro que existem ainda outras regras para se praticar bem a arte da melosqüência. Mas prefiro comentá-las numa outra oportunidade. O importante é que agora você já conhece os princípios básicos da prosopopéia babilonesca e pode aplicá-los e, mais importante ainda, pode reconhecer quando alguém está utilizando isso contra você. Fique muito atento nesses casos. Quando bem utilizada, essa arte funciona muito bem. Prova disso é que você está aqui até agora, lendo esse texto enorme sem conteúdo nenhum.


Daniel Macieira


Friday, October 08, 2004

Zero a Zero

O treino havia começado. Os jogadores estudavam passes, enquanto o treinador repassava as instruções. Para ele, nada de novo: somente os fundamentos básicos do jogo. O esquema também era clássico: o 4-4-2, idealizado pelo mestres da bola e seguido de Genebra ao Amazonas. Uma língua falada e consagrada nos gramados.

Alguns jogadores arriscavam chutes, sob o olhar arbitrário do professor. Eis que surge uma oportunidade de gol. Um dos atletas percebe. Ávido para conquistar um lugar entre os titulares, levanta a mão pedindo o passe. Recebe e, cheio de entusiasmo, dispara como centroavante rompedor. Senhor de si, já tinha toda jogada desenhada na cabeça. Sabia antecipadamente os dribles e as fintas que deveria buscar em seu repertório. Imaginava-se escapando dos zagueiros, livrando-se do goleiro e estufando as redes.

Mas antes que ele desse o segundo passo – priiiiiiiiiiiiii - o gol da rodada desaparece nas nuvens. Ressentido como escritor de quem roubaram a poesia, o atleta recebe a repreensão do treinador. “Menos, meu filho. Agora volta pro meio e repete a jogada do jeitinho que eu mandei.”

O jogador obedece. Se discutir com o treinador não sai do banco de reservas. “Vai ver ele é daqueles que só jogam pelo empate.”

Tuesday, October 05, 2004

Construindo.

Jeremias Boob

Você já pensou como acontece a inspiração? De onde ela vem? Como é que uma idéia surge assim de mansinho e, pouco a pouco, vai tomando forma? É a mesma coisa com um texto. Pra muita gente, o mais difícil é começar. Certa vez fiquei conjecturando (palavra feia, puxa!) sobre o assunto. Acho que escrever é mais ou menos isso que está descrito nessa poesia. Você procura a danada da inspiração, tenta por aqui, tenta por ali. E aí...

Bem, o melhor é você ler. E, se estiver inspirado, deixe sua opinião.



CONSTRUINDO.

Abri meu caderno de prosa, mas não tinha nada. Prosa, verso, palavra alguma. Puro vento. Comecei a tateá-lo, feito cego sem bengala. Uma coisinha aqui, outra ali. O substantivo abstrato vai ficando concreto. Ôpa! De repente achei uma parede. É por aqui que eu vou.