Friday, August 27, 2004

Telemarketing de Cemitério

Outro dia recebi uma ligação de telemarketing (mais uma) e comecei a pensar sobre os malabarismos que os atendentes têm que fazer pra conseguir falar com o cliente. Aliás, é desse ponto de vista que eu me coloco, quando ligam pra minha casa no horário do almoço. Nem sempre consigo almoçar em casa, mas quando dá, fica difíci dividir a atenção entre um suculento filé com fritas e a ligação de uma empresa sei-lá-quem, tentando me vender sei-lá-o-quê.

O pior é que muitas vezes os atendentes não têm o mínimo preparo. Não interagem com o cliente. Simplesmente iniciam um monólogo. Assim que você atende, eles fazem uma breve apresentação e perguntam se podem dispor de apenas um precioso minuto de sua atenção. Mentira deslavada, é claro, mas como o Globo Esporte está no intervalo mesmo, tudo bem. Só que aí é como se a gente desse o tiro de partida pra uma prova de 100metros rasos. O atendente quebra qualquer recorde e dispara a falar do produto, das vantagens, do preço super especial.

Você até tenta desclassificar o camarada: olha, infelizmente... só que ele se julga fera também nos 100m com barreiras: Mas espere! Não é só isso! E lá vai de novo com mais blá-blá-blá. Enquanto isso você já perdeu os gols do seu time, o vexame da seleção, a desculpa esfarrapada do Luxa, ao mesmo tempo em que seu bife está esfriando e as batatas fritas murchando. Finalmente você se livra e volta pra mesa. Mas antes que possa se sentar, toca o telefone de novo. Ai meu Deus!

ALÔ! Nesse momento sua voz já é bem diferente. Tipo Barry White acordando de ressaca. É um outro operador de telemaketing. Pensa que ele se assusta? Que nada. A bola da vez é um cartão de crédito classe A A TOP TOP SUPER SUPER. Uau! Pra mim? O atendente até que se anima. Mas aí você joga o balde de água fria. Mais fria, só sua comida. Olha, infelizmente eu já possuo dois cartões de crédito... Internacionais? Claro. Sem limite de crédito? Essa pergunta até que inibe, mas como o limite mesmo é o bolso, melhor cortar o mal pela raíz. Fica para uma outra oportunidade. Você também joga um blá-blá-blá e dessa vez tenta almoçar até um pouco mais feliz, afinal acaba de esnobar o cartão de quem não precisa.

Ring-ring-ring... O telefone é insistente demais. Agora um telemarketing que até assusta você: promoção do cemitério Bosque da Esperança. Caso verídico. A pessoa começa a falar e você vai percebendo que a coisa é séria. Tipo "pensar no futuro", "ter tranquilidade". Parece até que estou falando com um espírito. É isso, um testemunhal de quem conhece o produto. Nem dou o tiro de partida. No momento não estou interessado. Quem sabe mais tarde? Bem mais tarde, tomara.

O fato é que na minha opinião, tanto de cliente quanto de publicitário, alguns tipos de produtos e serviços não devem ser abordados desta forma. Venda de jazigos (o próprio nome já assusta, credo!) definitivamente é um deles. Existem outras mídias, outros meios de se chegar a uma pessoa sem invadir tanto a sua intimidade pra falar de um assunto que é, no mínimo, perturbador. Nesses casos, acho que não se deve ser tão agressivo. Pode-se despertar a consciência do público para o tema, mas deixar com que ele tome a iniciativa da compra.

Promoção do Bosque da Esperança? Pensei. O que será que eles davam? Túmulo de luxo com frigobar e ar condicionado? Compre um túmulo de solteiro e leve um de casal? Pague um e leve dois? Metade agora e a outra só no além? Irrrrr.... finalmente voltei para o meu bife, que agora tinha todo aquele estilo James Bond. Duro, frio e com nervos de aço.



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